Agente tirava fotos de pássaros sobre árvores e garças a beira de um pequeno lago. Já Aprendiz descansava aos pés de uma cachoeira. Naquele cenário de contemplação e relaxamento, a única coisa que destoava era a presença de Barbicha.
BARBICHA: Que tal prosseguirmos hein? Por acaso esqueceram que o Agente deve cumprir seu objetivo até as 18h?
APRENDIZ: Preocupe-se mais com o itinerário do que com o destino. Mas enfim, vamos em frente.
Continuaram então a trilha. Após alguns minutos de caminhada, encontraram um grande rochedo com uma pequena fenda de acesso ao lado de uma placa bem rústica onde se lia “VALE DOS MIL DRAGÕES: CUIDADO ONDE PISA”. Agente ficou pálido ao terminar de ler, pois se sentiu ameaçado com o “cuidado onde pisa” e a idéia de “mil dragões” tbm não parecia nada amistosa.
AGENTE: Tem certeza que precisamos passar por esse vale??
BARBICHA: A única certeza q tenho é q não preciso de mil dragões querendo me devorar.
APRENDIZ: Tenho certeza, o caminho é por aqui e devemos mesmo estar atentos aonde vamos pisar.
AGENTE: Como vc sabe disso? Já esteve nesse vale? Tem mesmo mil dragões lá??
APRENDIZ: Acredito que sejam mais de mil.
AGENTE: E há algum tipo de proteção contra esses sabe-se-lá-quantos-mil dragões?? Uma armadura, espada, escudo, canhão,...
APRENDIZ: Não.
AGENTE: E caso precise, tem algum medicamento lá? Curativos, talas, algo do tipo?
APRENDIZ: Também não.
AGENTE: Há pelo menos algum carro ou barco para passarmos por isso o mais rápido possível??
APRENDIZ: Iremos a pé.
AGENTE: Ah ótimo... sozinho, sem arma, sem proteção e a pé contra mil dragões furiosos cuspindo fogo em cima de mim. Quais as chances que eu teria de sobreviver a uma situação dessas?
APRENDIZ: Diria que remotíssimas.
AGENTE: Então por que eu ousaria passar por esse vale??
APRENDIZ: Pq vc deve vencer esse obstáculo para chegar ao mirante.
BARBICHA: Hum claro, o maravilhoso caminho do Iluminante nos conduziu a esse vale suicida, entendi. Só podia ser coisa do Iluminante...Quer dizer este é o cara que vc acredita nunca errar, Agente? Eu continuo com a idéia de q ele é um doido de primeira.
Agente ficou sem resposta. Afinal, estava certo de que ñ tinha chances contra um dragão, muito menos contra mil deles. Imaginou-se entrado no vale e entrou em pânico, ficou paralisado. Olhou para frente, vendo a placa ameaçadora, decidiu desistir e voltar. Então se virou para trás para retornar, viu o matagal do desconhecimento e lembrou-se da ponte do medo. Pensou na dificuldade dolorosa que lhe fornecera vida e força e assim conseguiu ver o vale de outra forma. Subitamente tomou coragem q ao olhar os dizeres “MIL DRAGÕES” sumiu subitamente, continuou indeciso. Viu Aprendiz entrando na fenda que conduzia ao vale e sem qualquer certeza do q estava fazendo entrou no vale tbm.
AGENTE: Mas que lugar é esse?
A fenda os levou a um corredor com uma montanha de cada lado e um calmo córrego fluindo entre elas. O córrego era o único lugar transitável e por ele corriam águas cristalinas sobre seixos rolados escorregadios e traiçoeiros, mas ainda assim admiráveis. Não se ouvia nada além das águas correndo pelas pedras sobrepostas.
BARBICHA: Malditos dragões, devem estar apostos nos cumes dessas montanhas preparando o bote fulminante.
APRENDIZ: Eu diria que vc deve procurar os dragões nos seus pés ao invés de olhar para os cumes.
Agente olhou para baixo e reparou que pelo córrego haviam criaturas coloridas com cerca de 25cm de tamanho nadando pelas águas cristalinas. Não tinha percebido antes pq eles se camuflam em meio a corais igualmente coloridos e lindos. Agora que reparara, viu que tinham beleza extraordinária, uns inclusive tinham o corpo revestido com algo semelhante a folhas, o que ajuda a camuflagem.
AGENTE: Que bicho é esse?
APRENDIZ: Chama-se Phyllopteryx taeniolatus e os folhados são os Phycodurus eques. Pra facilitar, vc pode chamá-los de dragão-marinho, deve haver mais de mil deles por aki.
AGENTE: Então esses são os mil dragões? E os dragões famintos cuspindo fogo em nós?
APRENDIZ: Não existem... Vc inventou essa ilusão e tomou isso como verdade.
AGENTE: Parecem inofensivos, mas não vou subestimá-los, com aquela ameaça de “cuidado onde pisa”... eles devem querer devorar nossos pés.
APRENDIZ: Acho q não, que eu saiba eles se alimentam de pequenos crustáceos e zooplancton, são inofensivos mesmo.
AGENTE: Ora, e pra que a ameaça então?
APRENDIZ: Não existe, vc tbm inventou isso. Akele “cuidado onde pisa” tem dois objetivos. Um é para que vc ñ pise nos dragões, o que certamente mataria eles. Outro é para vc ñ torcer seu pé nas pedras, pois esses seixos rolados realmente são traiçoeiros, portanto, cuidado onde pisa.
BARBICHA: Que coisa hein! Vc sabendo disso o tempo todo e nem para contar a ele! Que tipo de amigo brincaria de fazer alguém se sentir incapaz e com medo?
APRENDIZ: Minha intenção não é essa, mas mostrar que muito dos nossos medos e desafios são coisas que superestimamos, acreditando ser um risco maior do q realmente é. Agente acredita ter q enfrentar mil dragões, mas na verdade o adversário é a forma como se encara os problemas.
AGENTE: Essas águas cristalinas, esses dragões-marinhos, esses corais... Vc estava certo, Barbicha. Só podia ser coisa do Iluminante.
Coisa boa é descobrir que o Iluminante tem uma pedagogia das formas. Evolui conforme as situações e circunstâncias para que possamos entender que não precisamos ter medo de nada e que, no fundo, não há adversários. Isso sugere de maneira fantástica uma perspectiva de visão holística onde as idéias passam da heteronomia para a teonomia e o existencial se constrói na dimensão da liberdade sem preconceitos. O contato com a realidade proporciona o aprendizado de quem não se limita a ser feliz. Iludidos ou não, conforme o quadro, vale a pena experimentar algo, mesmo que seja relativamente desconhecido. Isso é viver uma trajetória cheia de expectativas e significados onde o risco é apenas um impulso para a realização do nosso ser definitivamente criado para isto. Daí o dom da coragem: agir com o coração acreditando que não há impedimentos.
ResponderExcluirCoisa boa é descobrir que o Iluminante tem uma pedagogia das formas. Evolui conforme as situações e circunstâncias para que possamos entender que não precisamos ter medo de nada e que, no fundo, não há adversários. Isso sugere de maneira fantástica uma perspectiva de visão holística onde as idéias passam da heteronomia para a teonomia e o existencial se constrói na dimensão da liberdade sem preconceitos. O contato com a realidade proporciona o aprendizado de quem não se limita a ser feliz. Iludidos ou não, conforme o quadro, vale a pena experimentar algo, mesmo que seja relativamente desconhecido. Isso é viver uma trajetória cheia de expectativas e significados onde o risco é apenas um impulso para a realização do nosso ser definitivamente criado para isto. Daí o dom da coragem: agir com o coração acreditando que não há impedimentos.
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